A
tragédia desencadeia-se sempre que uma força transcendente, dotada de um poder
arbitrariamente exercido, põe em causa a segurança e a felicidade dos homens.
Com
o advento do Positivismo, as possibilidades do conhecimento humano parecem não
encontrar obstáculos intransponíveis.
Do
mesmo modo, o Determinismo de Taine julga poder explicar certos fenómenos
culturais por força de fatores como o ambiente, a raça e o momento
histórico-social.
Assim,
não é difícil inferir que o Naturalismo, como período estético-literário
alicerçado, em grande parte, em correntes de pensamento como o Positivismo e o
Determinismo, manifesta-se francamente adverso a qualquer tipo de conceção
trágica da existência.
Ou
seja: com o Naturalismo, o escritor demonstra a convicção de que o homem pode
dominar e controlar a sua existência sem necessidade de invocar forças
transcendentes.
Porquê,
então, a problemática do trágico n’ Os Maias? É que Os Maias surgem
numa época de crise de confiança nas coordenadas ideológicas subjacentes ao
Naturalismo.
A
descrença na estética naturalista não corresponde a um corte radical, mas antes
a uma transformação das diretrizes da escola literária em questão.
A
dimensão trágica da intriga d’ Os Maias insiste fundamentalmente em
valores anti positivistas: a incapacidade do homem controlar a sua existência,
o carácter imprevisível dos fenómenos, a derrocada de uma situação de
felicidade que aparentemente nada poderia pôr em causa.
Por
isso, não se estranha que, quando sobrevém o reconhecimento que antecede a
catástrofe trágica, seja Ega a personagem mais diretamente atingida pela crise de
confiança em valores até então julgados inabaláveis.
Para
Ega, o que está em causa é, antes de mais, o significado ideológico de um
incesto estranho numa sociedade que se julgava perfeita; os factos evidenciados
por esse misterioso Guimarães colidem brutalmente com a feição disciplinada de
um sistema social espartilhado pela burocracia e, portanto, aparentemente
inadequado à eclosão do excecional.
«Não
podia ser! Esses horrores só se produziam na confusão social, no tumulto da
Meia Idade! Mas nunca numa sociedade burguesa, bem policiada, bem escriturada,
garantida por tantas leis, documentada por tantos papéis, com tanto registo de
baptismo, com tanta certidão de casamento, não podia ser! Não!» - cap. XVI,
p. 621.
Assim,
impõe-se uma nova ordem: a do absurdo inexplicável em termos racionais, isto é,
a da sujeição a explicações de tipo transcendente que tendam a enraizar os
fenómenos nos desígnios insondáveis de entidades supra-humanas.
Por
isso mesmo, não se estranha que, no episódio final, o romance se encerre com
uma mensagem ideológica identificada com uma conceção fatalista da existência,
amadurecida nos dez anos entretanto acumulados:
«Riram
ambos. Depois Carlos, outra vez sério, deu a sua teoria da vida, a teoria
definitiva que ele deduzira da experiência e que agora o governava. Era o
fatalismo muçulmano. Nada desejar e nada recear… Não se abandonar a uma
esperança – nem a um desapontamento. Tudo aceitar, o que vem e o que foge… (…)»
– cap. XVIII – p. 715.
Em
última análise, o pessimismo existencial patenteado nestas palavras constitui a
mais radical negação do Naturalismo determinista e positivista.
Em
função do exposto, compreende-se que este diálogo final desempenha uma função
de epílogo ideológico que abarca o nível da intriga e o da crónica de costumes:
desiludidas por uma existência estigmatizada pelo ferrete da tragédia como pelo
do falhanço social, às duas personagens resta apenas a opção do fatalismo que
é, ao mesmo tempo, a da descrença nas suas próprias possibilidades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário